O Ponto
Aventura 12+ anos

Ponto inicial

por Fernando Madruga
No início era o ponto. Um pontinho minúsculo, tímido e concentrado, perdido na imensidão do nada. E como todo bom ponto, ele se achava o centro de tudo — e, de certa forma, era. Um dia, entediado de sua própria perfeição, decidiu explodir. Chamaram isso de “Big Bang”. Um nome pomposo para um acidente cósmico causado por tédio.
Do ponto vieram as estrelas, os planetas, os buracos negros e, eventualmente, a Terra — uma bolinha azul que acreditou ser o palco principal do universo. Surgiram bactérias, peixes, répteis, mamíferos e, finalmente, o ser humano: o primeiro animal capaz de olhar para o céu, fazer perguntas… e construir armas para garantir que ninguém respondesse melhor do que ele.
Com o tempo, o homo sapiens evoluiu — o verbo é generoso. Descobriu o fogo, a roda, o pão, o vinho e o imposto. Fundou civilizações, ergueu pirâmides, templos, muralhas e, mais tarde, condomínios fechados. Inventou a escrita para registrar sua sabedoria, e logo depois, a borracha, para apagar o que não convinha.
Vieram os impérios: uns ruíram por excesso de ambição, outros por falta de bom senso. Depois, o Renascimento — uma tentativa de lembrar que a arte existia. Em seguida, o Iluminismo — um lampejo breve de razão antes do apagão seguinte.
Então chegou a Revolução Industrial, e o homem, já cansado de fazer bobagens lentamente, resolveu mecanizá-las. O carvão moveu máquinas, as máquinas moveram fábricas, e as fábricas moveram o mundo — direto para a poluição e o trabalho infantil. Mas, enfim, progresso é progresso.
No século XX, o ser humano alcançou seu ápice: voou, telefonou, televisou, digitalizou e, triunfante, conseguiu dividir o átomo — porque nada representa melhor a inteligência humana do que transformar matéria em explosão. Assim, enquanto uns celebravam avanços científicos, outros cavavam abrigos nucleares.
Na virada do milênio, a humanidade alcançou o sonho da interconexão total. Todos conectados, todos informados — e, curiosamente, mais desinformados do que nunca. O conhecimento, antes guardado em bibliotecas silenciosas, passou a circular em vídeos de trinta segundos, explicados por pessoas que nunca leram um livro, mas têm milhões de seguidores.
Hoje, o ponto inicial observa, lá do fundo do cosmos, o que virou sua expansão. Vê homens e mulheres brigando por curtidas, criando conflitos em nome da paz, defendendo liberdade com censura e buscando sentido em algoritmos. O ponto suspira, resignado: tanta energia, tanto tempo, tanto carbono… e ainda ninguém aprendeu que o ponto final é inevitável.
Mas o ponto, que tudo iniciou, sabe que nada termina de verdade. Porque no fim de cada ponto há sempre uma vírgula disfarçada. E enquanto houver uma vírgula, haverá alguém disposto a continuar o erro — ou chamá-lo de “evolução”.
Explorar