O Ponto
Aventura 12+ anos

Entre o clique e o abismo

por Fernando Madruga
Era só um clique. Um toque sutil na tela — e pronto: o mundo inteiro ao alcance do polegar. Notícias, afetos, ódios, teorias e vídeos de gatos. O ser humano finalmente conquistara o poder dos deuses: onipresença digital. Só esqueceu de ler os termos de uso da existência.
O clique trouxe a ilusão de controle. Com ele, podia-se aprovar, cancelar, curtir, apagar. A humanidade transformou o poder da criação em reação. O gesto que antes lançava foguetes agora servia para mudar o filtro da foto.
Enquanto isso, os algoritmos — entidades invisíveis e infalíveis — começaram a moldar os pensamentos humanos. Sabiam o que você queria antes de você querer. E o mais assustador: estavam quase sempre certos.
A vida real virou o intervalo entre notificações. As pessoas passaram a medir amor em curtidas e autoestima em visualizações. O silêncio tornou-se desconfortável, e a solidão, um bug a ser corrigido com mais conexão.
Os discursos eram instantâneos, mas o raciocínio, cada vez mais lento. A pressa de opinar superava o esforço de compreender. E o abismo, que antes se abria sob os pés, agora se abria entre os cliques — profundo, sedutor, com autoplay ativado.
As redes sociais se tornaram a nova Torre de Babel: todos falando, ninguém se entendendo. O caos digital substituiu o caos bíblico, mas o resultado foi o mesmo — a comunicação se perdeu.
No alto do algoritmo, o ponto original observava tudo com um certo fascínio mórbido. “Eles queriam liberdade… e ganharam o feed infinito.” Talvez o verdadeiro inferno seja um lugar onde tudo se renova, mas nada muda.
E o clique seguiu, repetido bilhões de vezes, como o eco de um tiro silencioso na alma coletiva.
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