Claudio faleceu
Romance 16+ anos

O tempo é Rei

por Fernando Madruga
Meses depois do verão, Carlos estava de volta à rotina — o barulho metálico das ferramentas, o café frio, a pressa dos e-mails. Tudo seguia como antes, mas havia algo fora de lugar, uma pequena rachadura na estrutura perfeita que ele havia construído para si. Lia ainda aparecia, não em sonhos, mas em distrações: o reflexo dourado em uma janela, o perfume de coco em um corredor qualquer. Era como se o verão tivesse deixado uma versão invisível dela vagando por ali.

Certa noite, um amigo o convenceu a sair. “Tem uma exposição nova no centro, sobre memória e tempo”, dissera. Carlos foi, mais por tédio que interesse. E lá estava ela — não Lia, mas um quadro. Uma pintura imensa, vibrante, de um mar alaranjado e um casal anônimo sentado na areia. A assinatura era dela. Lia Barros. Um choque silencioso. Ele ficou minutos diante da tela, até o guarda da galeria se aproximar com um olhar impaciente.

No canto do quadro, uma dedicatória discreta: “Para quem acredita que o destino é folgado demais para trabalhar sozinho.” Carlos sorriu — um sorriso lento, quase dolorido. Não havia endereço, telefone, nada além daquela frase. E foi o bastante. No dia seguinte, ele ligou para o curador, inventou um interesse profissional, conseguiu um contato. Descobriu que Lia vivia agora em Paraty, pintando o tempo e o mar.

Na semana seguinte, pegou o carro. Não avisou ninguém. A estrada serpenteava entre montanhas, e cada curva parecia uma lembrança. Ao chegar, o cheiro de maresia o recebeu como um velho conhecido. Lia o esperava na varanda de um ateliê aberto, sem surpresa, apenas com aquele mesmo sorriso tranquilo de quem entende o que é inevitável.

Dessa vez, Carlos não quis saber do amanhã. Apenas sentou ao lado dela, observou o mar e, sem dizer palavra, entendeu que certas histórias não terminam. Elas apenas mudam de cenário.

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